Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
As disciplinas não deverão desaparecer da grade horária. Mas a proposta é que a Teoria da Evolução, por exemplo, possa ser discutida na aula de Biologia, com destaque para a perspectiva da seleção natural; na de História, para que se possa compreender quem foi o naturalista inglês Charles Darwin e em que contexto viveu e formulou suas ideias; na de Filosofia, onde o debate entre o pensamento racionalista científico e os dogmas religiosos sustentados pela fé pode ser aprofundado; e até mesmo na de Português, se pensarmos em um trabalho de interpretação de textos do livro “A origem das espécies”. O desejo explícito e manifesto dos especialistas é combater os conteúdos estanques, integrar conhecimentos e incentivar a interdisciplinaridade, certamente um dos alicerces principais do projeto de reforma do ensino médio que está sendo discutido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e que deverá ser em breve encaminhado ao Ministério da Educação (MEC); se tudo der certo, as novidades deverão ser colocadas em prática já em 2010.
“O ensino médio está obsoleto, ultrapassado, é ainda aquele que foi formatado durante a era industrial. O aluno deixa esse nível de ensino totalmente desinteressado. É preciso virar o sistema de cabeça para baixo. O jovem quer uma escola que caiba na vida dele, que faça diferença e tenha sentidos e significados”, avalia Mozart Neves Ramos, membro do CNE e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em entrevista exclusiva ao site do SINPRO-SP. Essa analise é compartilhada por Lino de Macedo, professor da Universidade de São Paulo, que em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo de 10 de maio afirmou que “sempre foi e está cada vez mais difícil ser adolescente, pois dele são exigidas coisas de adulto, para as quais ele não tem interesse nem repertório. Ele está preocupado com sua inclusão em grupos, sua iniciação sexual, seus sonhos. Então, os adolescentes têm muitas decepções com essa escola que não olha para ele, que não é feita para ele, que não é pensada com ele”.
O próprio documento que tem servido como base para as discussões travadas pelo Conselho reconhece que o Brasil já foi capaz de “massificar o acesso, mas não garantiu democraticamente a permanência e, principalmente, um currículo capaz de promover uma aprendizagem que faça sentido para os jovens adolescentes”. O documento destaca ainda que “o acesso ao ensino médio é profundamente desigual entre grupos da população: apenas 24,9% de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, dos 20% mais pobres da população, estudam no ensino médio, enquanto temos 76,3% de jovens estudando dos 20% mais ricos da população”. Segundo Ramos, que é também presidente do movimento Todos pela Educação, “é preciso quebrar paradigmas e romper esse círculo vicioso que afasta o jovem da escola”.
O primeiro passo para romper esse cenário de marasmo identificado pelos especialistas diz respeito à criação de quatro áreas temáticas – línguas, matemática, humanidades e ciências exatas e biológicas, que deverão ainda funcionar de forma articulada e harmônica. Ramos avalia que, atualmente, os professores das diferentes disciplinas dão seus conteúdos sem conversar entre eles, sem um saber o que o outro está trabalhando em sala de aula, sem estabelecer relações. “Queremos fortalecer a interdisciplinaridade, que é muito falada, mas pouco exercitada”, reforça. Segundo ele, as atuais doze disciplinas (Português, Matemática, Biologia, Física, Química, Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Artes, Língua Estrangeira e Educação Física) não irão desaparecer, mas terão obrigatoriamente de trabalhar a partir de pontos de encontro e de projetos comuns. “Essa nova organização curricular pressupõe uma perspectiva de articulação interdisciplinar, voltada para o desenvolvimento de conhecimentos - saberes, competências, valores e práticas”, reforça o documento do CNE.
Colocar essa ideia em prática, admitem os conselheiros, não será tarefa das mais fáceis e significará investir com convicção em uma verdadeira revolução de mentalidades, que deverá atingir inclusive o ensino superior, onde os professores continuam sendo formados para trabalhar individualmente e de forma compartimentada, nos limites estritos de cada uma das disciplinas. Como então garantir que um educador da área de Química possa transitar com tranquilidade pelos conceitos da Física e da Biologia? “Certamente terá de se adaptar a essa nova realidade.Também sou professor e sei que somos muitas vezes avessos a mudanças. Mas vamos ter de incentivar de fato um espírito de universidade, de diversidade, e mudar principalmente o primeiro ano dos cursos superiores, para que estejam mais próximos e sintonizados com o último ano do ensino médio e a perspectiva da interdisciplinaridade”, diz Ramos.
As condições de trabalho também terão de ser enfrentadas. Não é possível imaginar que um sistema com essas novas características e demandas poderá funcionar a contento e com a qualidade desejada se os educadores continuarem sendo obrigados a dar conta de cargas horárias exaustivas e elevadíssimas, em três ou quatro escolas diferentes, responsabilizando-se por três ou quatro centenas de alunos. “Há que se criar espaços internos de encontro e interlocução, as reuniões se tornarão mais frequentes, a discussão sobre os rumos da escola deverá ser cotidiana. E os professores são certamente protagonistas desse processo e precisam ser valorizados”, completa Ramos. Os impactos da reforma serão sentidos ainda na hora das provas e das avaliações, que não raro costumam solicitar a memorização de conteúdos e são idealizadas a partir de modelos estanques e não integrados. Ao anunciar a matriz que deverá conduzir a preparação das questões que farão parte do próximo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Ministro da Educação, Fernando Haddad, disse em matéria publicada pelo portal G1 que “a prova privilegiará a interdisciplinaridade e a capacidade de compreensão de conteúdose não mais a chamada decoreba. Se um aluno compreende um fenômeno da natureza, sabe do que se trata, mas esqueceu a fórmula que é geralmente decorada, ele vai conseguir por outros meios chegar à resposta correta”. O ensino médio, portanto, terá de dar conta dessa filosofia. “A partir desse momento, inicia-se um processo de reforma curricular do ensino médio”, completou o ministro, ainda ao G1.
A intenção do CNE é também ampliar a carga horária total (três anos) das atuais 2.400 para 3.000 horas, reservando 20% desse total (600 horas) para que as escolas possam oferecer atividades extra-curiculares, que serão escolhidas pelos alunos, de acordo com os interesses de cada um. “Queremos incentivar e fortalecer atividades que muitas vezes já acontecem, como exposições de artes, eventos culturais e práticas em laboratórios de ciências, mas nem sempre vinculadas ao currículo tradicional. Teríamos espécies de incubadoras dentro das escolas, para dar vazão para a criatividade e o empreendedorismo dos estudantes”, explica Ramos.
Sobre o ritmo de implantação da reforma, os jornais noticiaram em um primeiro momento que as mudanças se dariam já a partir de 2010, provavelmente envolvendo as cem escolas com piores notas no ENEM. Mas Ramos é contra essa fórmula. “Creio que o sistema todo deva ser contemplado, estimulando cada rede e garantindo especificidades. Claro que você não muda uma cultura e as instituições da noite para o dia. Mas é preciso fazer movimentos que deem conta do conjunto. Por isso não concordo em envolver apenas as cem piores escolas”, reforça.Em conversa com o SINPRO-SP, Francisco Aparecido Cordão, membro do CNE e relator do projeto de reforma, afirmou que “a matéria será objeto de uma Audiência Pública Nacional na tarde do próximo dia 1º de junho e, se tudo der certo, terá condições de ser votada até o dia 4 de junho, para que o MEC possa negociar com os Estados possíveis acordos de Cooperação Técnica e Financeira nos meses de julho, agosto e setembro próximos, objetivando, efetivamente, implantar a proposta a partir do início de 2010”. Ele completa: “Todos estão convidados para a Audiência Pública que será realizada no Plenário do Conselho Nacional de Educação em 1º de junho”.
(Fonte: http://www.sinprosp.org.br/reportagens_entrevistas.asp?especial=235)
As disciplinas não deverão desaparecer da grade horária. Mas a proposta é que a Teoria da Evolução, por exemplo, possa ser discutida na aula de Biologia, com destaque para a perspectiva da seleção natural; na de História, para que se possa compreender quem foi o naturalista inglês Charles Darwin e em que contexto viveu e formulou suas ideias; na de Filosofia, onde o debate entre o pensamento racionalista científico e os dogmas religiosos sustentados pela fé pode ser aprofundado; e até mesmo na de Português, se pensarmos em um trabalho de interpretação de textos do livro “A origem das espécies”. O desejo explícito e manifesto dos especialistas é combater os conteúdos estanques, integrar conhecimentos e incentivar a interdisciplinaridade, certamente um dos alicerces principais do projeto de reforma do ensino médio que está sendo discutido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e que deverá ser em breve encaminhado ao Ministério da Educação (MEC); se tudo der certo, as novidades deverão ser colocadas em prática já em 2010.
“O ensino médio está obsoleto, ultrapassado, é ainda aquele que foi formatado durante a era industrial. O aluno deixa esse nível de ensino totalmente desinteressado. É preciso virar o sistema de cabeça para baixo. O jovem quer uma escola que caiba na vida dele, que faça diferença e tenha sentidos e significados”, avalia Mozart Neves Ramos, membro do CNE e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em entrevista exclusiva ao site do SINPRO-SP. Essa analise é compartilhada por Lino de Macedo, professor da Universidade de São Paulo, que em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo de 10 de maio afirmou que “sempre foi e está cada vez mais difícil ser adolescente, pois dele são exigidas coisas de adulto, para as quais ele não tem interesse nem repertório. Ele está preocupado com sua inclusão em grupos, sua iniciação sexual, seus sonhos. Então, os adolescentes têm muitas decepções com essa escola que não olha para ele, que não é feita para ele, que não é pensada com ele”.
O próprio documento que tem servido como base para as discussões travadas pelo Conselho reconhece que o Brasil já foi capaz de “massificar o acesso, mas não garantiu democraticamente a permanência e, principalmente, um currículo capaz de promover uma aprendizagem que faça sentido para os jovens adolescentes”. O documento destaca ainda que “o acesso ao ensino médio é profundamente desigual entre grupos da população: apenas 24,9% de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, dos 20% mais pobres da população, estudam no ensino médio, enquanto temos 76,3% de jovens estudando dos 20% mais ricos da população”. Segundo Ramos, que é também presidente do movimento Todos pela Educação, “é preciso quebrar paradigmas e romper esse círculo vicioso que afasta o jovem da escola”.
O primeiro passo para romper esse cenário de marasmo identificado pelos especialistas diz respeito à criação de quatro áreas temáticas – línguas, matemática, humanidades e ciências exatas e biológicas, que deverão ainda funcionar de forma articulada e harmônica. Ramos avalia que, atualmente, os professores das diferentes disciplinas dão seus conteúdos sem conversar entre eles, sem um saber o que o outro está trabalhando em sala de aula, sem estabelecer relações. “Queremos fortalecer a interdisciplinaridade, que é muito falada, mas pouco exercitada”, reforça. Segundo ele, as atuais doze disciplinas (Português, Matemática, Biologia, Física, Química, Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Artes, Língua Estrangeira e Educação Física) não irão desaparecer, mas terão obrigatoriamente de trabalhar a partir de pontos de encontro e de projetos comuns. “Essa nova organização curricular pressupõe uma perspectiva de articulação interdisciplinar, voltada para o desenvolvimento de conhecimentos - saberes, competências, valores e práticas”, reforça o documento do CNE.
Colocar essa ideia em prática, admitem os conselheiros, não será tarefa das mais fáceis e significará investir com convicção em uma verdadeira revolução de mentalidades, que deverá atingir inclusive o ensino superior, onde os professores continuam sendo formados para trabalhar individualmente e de forma compartimentada, nos limites estritos de cada uma das disciplinas. Como então garantir que um educador da área de Química possa transitar com tranquilidade pelos conceitos da Física e da Biologia? “Certamente terá de se adaptar a essa nova realidade.Também sou professor e sei que somos muitas vezes avessos a mudanças. Mas vamos ter de incentivar de fato um espírito de universidade, de diversidade, e mudar principalmente o primeiro ano dos cursos superiores, para que estejam mais próximos e sintonizados com o último ano do ensino médio e a perspectiva da interdisciplinaridade”, diz Ramos.
As condições de trabalho também terão de ser enfrentadas. Não é possível imaginar que um sistema com essas novas características e demandas poderá funcionar a contento e com a qualidade desejada se os educadores continuarem sendo obrigados a dar conta de cargas horárias exaustivas e elevadíssimas, em três ou quatro escolas diferentes, responsabilizando-se por três ou quatro centenas de alunos. “Há que se criar espaços internos de encontro e interlocução, as reuniões se tornarão mais frequentes, a discussão sobre os rumos da escola deverá ser cotidiana. E os professores são certamente protagonistas desse processo e precisam ser valorizados”, completa Ramos. Os impactos da reforma serão sentidos ainda na hora das provas e das avaliações, que não raro costumam solicitar a memorização de conteúdos e são idealizadas a partir de modelos estanques e não integrados. Ao anunciar a matriz que deverá conduzir a preparação das questões que farão parte do próximo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Ministro da Educação, Fernando Haddad, disse em matéria publicada pelo portal G1 que “a prova privilegiará a interdisciplinaridade e a capacidade de compreensão de conteúdose não mais a chamada decoreba. Se um aluno compreende um fenômeno da natureza, sabe do que se trata, mas esqueceu a fórmula que é geralmente decorada, ele vai conseguir por outros meios chegar à resposta correta”. O ensino médio, portanto, terá de dar conta dessa filosofia. “A partir desse momento, inicia-se um processo de reforma curricular do ensino médio”, completou o ministro, ainda ao G1.
A intenção do CNE é também ampliar a carga horária total (três anos) das atuais 2.400 para 3.000 horas, reservando 20% desse total (600 horas) para que as escolas possam oferecer atividades extra-curiculares, que serão escolhidas pelos alunos, de acordo com os interesses de cada um. “Queremos incentivar e fortalecer atividades que muitas vezes já acontecem, como exposições de artes, eventos culturais e práticas em laboratórios de ciências, mas nem sempre vinculadas ao currículo tradicional. Teríamos espécies de incubadoras dentro das escolas, para dar vazão para a criatividade e o empreendedorismo dos estudantes”, explica Ramos.
Sobre o ritmo de implantação da reforma, os jornais noticiaram em um primeiro momento que as mudanças se dariam já a partir de 2010, provavelmente envolvendo as cem escolas com piores notas no ENEM. Mas Ramos é contra essa fórmula. “Creio que o sistema todo deva ser contemplado, estimulando cada rede e garantindo especificidades. Claro que você não muda uma cultura e as instituições da noite para o dia. Mas é preciso fazer movimentos que deem conta do conjunto. Por isso não concordo em envolver apenas as cem piores escolas”, reforça.Em conversa com o SINPRO-SP, Francisco Aparecido Cordão, membro do CNE e relator do projeto de reforma, afirmou que “a matéria será objeto de uma Audiência Pública Nacional na tarde do próximo dia 1º de junho e, se tudo der certo, terá condições de ser votada até o dia 4 de junho, para que o MEC possa negociar com os Estados possíveis acordos de Cooperação Técnica e Financeira nos meses de julho, agosto e setembro próximos, objetivando, efetivamente, implantar a proposta a partir do início de 2010”. Ele completa: “Todos estão convidados para a Audiência Pública que será realizada no Plenário do Conselho Nacional de Educação em 1º de junho”.
(Fonte: http://www.sinprosp.org.br/reportagens_entrevistas.asp?especial=235)
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