domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ser um bom professor



Antigamente existiam uns cromos muito ingênuos com um menino e uma menina com o título “O Amor é…” e depois existiam múltiplas soluções.




Já quanto a saber o que é um “bom professor” confesso que agora, mais do que nunca, ando cheio de dúvidas. É que fui apanhado de surpresa por um colega meu, 10º escalão, larga experiência de docência e cargos vários, que de sorriso afivelado me inquiriu quando eu espreitei para o espaço dos fumadores, “E tu o que achas que é um bom professor?”. Pois ele próprio andava às voltas com a questão e não lhe encontrava solução.



Não sou de ficar sem resposta facilmente, mas desta vez fiquei meio parado sem saber o que dizer, ou como juntar de forma coerente um par de pensamentos que ultrapassassem o óbvio. É que em perto de 20 anos muita coisa mudou e o conceito de “bom professor” foi naturalmente evoluindo e sofrendo múltiplas transformações, normalmente no sentido do seu alargamento para novos domínios.



Nos meus primeiros tempos, achava eu que ser um bom professor passava por ensinar o melhor possível os meus alunos, tornando-os capazes (agora é seria melhor escrever “competentes” ou ainda melhor “dotados das competências”) de obter bons resultados nos momentos de avaliação e, ambição maior, que esse saber pudesse ser útil no seu futuro; assim como também passava por cumprir as minhas obrigações formais na Escola e não atrapalhar os outros colegas. Este último detalhe não era, de todo, de desprezar.



Com o passar do tempo as coisas foram-se modificando em meu redor e eu próprio passei de calouro a jovem professor e, a certa altura, comecei a ver-me a meio da carreira, tão perto ou longe do seu início como do seu fim, a meio caminho entre a completa inexperiência e o conforto de um saber profissional capaz de dar resposta às diversas solicitações da função. Que é por onde ainda estou.



Só que, entretanto, a função do professor desdobrou-se em múltiplas dimensões e, para além de educador, tornou-se um elemento ativo de uma ou mais equipes, de uma organização (a Escola), um profissional que se pretende reflexivo e crítico (foi a moda na segunda metade dos anos 90 do século passado), alguém que deve estar atento a todo e qualquer perfil de aluno nas suas aulas, uma miríade de exigências de que, sinceramente, nem sempre me sinto à altura.



Talvez não saiba definir o que é um “bom professor”, porque tenha o receio de encarar a dura verdade de eu próprio não me considerar um bom professor, um entusiasmado e dedicado elo na grande engrenagem do sistema educativo. Porque não sou capaz de sacrificar todo o meu tempo em prol da Escola, roubando-o à família. Porque não sou capaz apenas de pensar no “trabalho pedagógico” e na sua preparação e perco muito do meu tempo a ler ou mesmo, sacrilégio, a ver televisão. Porque nos fins de semana me recuso a estar horas agarrado a dezenas de testes, procurando o equilíbrio supremo da avaliação justa, ou a conceber “novos materiais” de apoio, e preferindo ir dar um passeio até aos jardins e ruas preferidas do meu bairro  sem precisar de se desviar constantemente de fezes caninas ou ciclistas entusiasmados.



Enfim, muita coisa me faz acreditar que não estou em condições de ser um “bom professor”.



O que nunca me tinha ocorrido é que essa condição poderia estar dependente de lecionar uma dada e muito específica percentagem – digamos, assim por acaso, 95% – de aulas. Nunca considerei esse critério quantitativo como elemento indispensável e exclusivo (no sentido de excluir quem o não cumpre) para a minha definição como bom, muito bom, menos bom ou francamente mau professor. Nunca pensei que em 200 dias letivos, com 40 aulas semanais para este ano poderei ser um bom professor, ou mesmo muito bom, se der 2100 aulas, mas já poderei ser considerado suficiente se apenas der 2000.



Sinceramente, durante muito tempo quis acreditar que a qualidade do meu trabalho não seria mensurável nestes termos. Mas pelos vistos vivi o suficiente para assistir a esta forma de classificar o trabalho de um professor. Porque, não o esqueçamos, este critério quantitativo é aquele sem o qual todos os outros são irrelevantes. Não interessa se eu tiver formado ótimos alunos e futuros cidadãos; que nas provas de aferição eles tenham performances estonteantes e acima da média nacional, que tenha desempenhado as minhas missões administrativas a contento na Escola; que os encarregados de educação me adorem sem exceção.



Se não der as 2100 aulas determinadas pela fórmula mágica e me descuidar, tudo vai por água abaixo e “bom professor” terei logo a certeza de não ser. Pelo menos as minhas dúvidas terão fim.

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